“Lei Maria da Penha”
O início de tudo…
A farmacêutica bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes, cearense, vivenciou 23 anos de um casamento extremamente abusivo;
Em 1974, enquanto cursava o mestrado na Universidade de São Paulo, ela conheceu Marco Antonio Heredia Viveros, um jovem colombiano que fazia sua pós-graduação em Economia na mesma universidade;
Casando-se em seguida, em 1976. Depois da conclusão de seu mestrado e do nascimento da primeira filha, Maria da Penha voltou com o marido para sua cidade natal, onde nasceriam suas duas outras filhas.
Conseguiu sua cidadania brasileira e se estabilizou financeiramente, as agressões iniciaram;
Era educado, amável e solidário, passou a agir com intolerância, se exaltando com facilidade e demonstrando comportamentos explosivos não só com a esposa, mas também com as filhas.
Com isso, a tensão, o medo e a violência passaram a fazer parte do dia a dia da família. Mas logo vinha o arrependimento e o comportamento carinhoso, configurando o que hoje é conhecido como ciclo da violência.
Em 1983 ficou paraplégica após levar um tiro do ex-marido, enquanto dormia. Ao tentar se levantar da cama para se proteger e entender o que tinha acontecido, ela não conseguia se mexer, e pensou: “o Marco me matou”.
Marco Antonio disse à polícia que a família havia sofrido uma tentativa de assalto.
Quatro meses em que ficou no hospital, passou por cirurgias, internações e tratamentos;
Após esses fatos, sem respaldo de lei ou justiça, foi novamente agredida, o marido, tentou eletrocutá-la durante o banho.
Depois de um desfecho injusto por parte da justiça para o agressor, formulou uma denúncia formal a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que reconheceu o tratamento pelo caso no Brasil como negligente e omisso, desrespeitando o Tratado Internacional de Direitos Humano que havia assinado anos atrás.
Sua luta por justiça perdurou até 2002, quando ele foi finalmente condenado e preso pela tentativa de homicídio.
O diploma legal foi criado pouco tempo depois, em 07 de agosto de 2006, por diversas ativistas, entidades defensoras dos direitos humanos e das mulheres e juristas com especialidade no assunto formaram um Consórcio de ONGs feministas com o objetivo de elaborar uma lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.
Aprovado por unanimidade tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal.
No dia 7 de agosto de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.340 — batizada de Lei Maria da Penha em homenagem à farmacêutica e sua luta.
Antes da criação de Lei Maria da Penha, casos de agressão contra a mulher eram enquadrados na Lei 9.099/95 de juizados especiais, (crime de menor potencial ofensivo, pagamento de cestas básicas).
Maria da Penha recebeu uma indenização do Estado do Ceará, criou, fundo o Instituto Maria da Penha, sendo presidente vitalícia.
E hoje, aos 77 anos, faz palestras e entrevista sobre a violência doméstica e acessibilidade para pessoas com deficiência.
A VIOLÊNCIA…
Âmbitos: unidade doméstica, familiar, qualquer relação íntima de afeto (independente de orientação sexual).
Unidade doméstica – casa em que todos os integrantes convivem, podendo ser parentes entre si ou não, exemplo amigo morando na casa, outro exemplo empregada doméstica;
Familiar – sogra que mesmo não morando junto sofre agressão;
Intima de afeto – namorados, que não aceita o termino da relação.
A vítima da Lei Maria da Penha será sempre mulher tendo em vista que a agressão se dá em razão do gênero (ser mulher). O agressor pode não ser o companheiro da vítima, mas sim um pai ou filho, seja homem ou mulher.
O agressor poderá ser de ambos os sexos sendo possível a agressão por homossessuais do sexo feminino, porém não será possível no caso de relações homoafetivas quando são do sexo masculinho.
TIPOS DE VIOLÊNCIA
VIOLÊNCIA FÍSICA:
Espancamento;
Atirar objetos, sacudir e apertar os braços;
Estrangulamento ou sufocamento;
Lesões com objetos cortantes ou perfurantes;
Ferimentos causados por queimaduras ou armas de fogo;
Tortura.
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA:
Determinar o jeito como a mulher se veste, pensa, come ou se expressa;
Criticar qualquer coisa que a mulher faça;
Tudo passa a ser ruim ou errado;
Desqualificar as relações afetivas da mulher: amigos ou família;
Xingamentos como “vadia”, “imprestável”, “retardada”, “vagabunda”;
Expor a mulher a situações humilhantes em público;
Criticar o corpo ou intelecto da mulher de forma ofensiva;
Isolamento (proibir de estudar e viajar ou de falar com amigos e parentes) ;
Limitação do direito de ir e vir;
Tirar a liberdade de crença;
Distorcer e omitir fatos para deixar a mulher em dúvida sobre a sua memória e sanidade.
VIOLÊNCIA SEXUAL:
Estupro;
Obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto ou repulsa;
Impedir o uso de métodos contraceptivos ou forçar a mulher a abortar;
Forçar matrimônio, gravidez ou prostituição por meio de coação, chantagem, suborno ou manipulação;
Limitar ou anular o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher.
VIOLÊNCIA PATRIMONIAL:
Controlar o dinheiro;
Deixar de pagar pensão alimentícia;
Destruição de documentos pessoais;
Furto, extorsão ou dano;
Estelionato;
Privar de bens, valores ou recursos econômicos;
Causar danos propositais a objetos da mulher ou dos quais ela goste.
VIOLÊNCIA MORAL:
Entende-se por violência moral qualquer conduta que importe em calúnia, quando o agressor ou agressora afirma falsamente que aquela praticou crime que ela não cometeu; difamação; quando o agressor atribui à mulher fatos que maculem a sua reputação, ou injúria, ofende a dignidade da mulher.
Acusar a mulher de traição;
Expor a vida íntima – imagens internet;
Rebaixar a mulher por meio de xingamentos que incidem sobre a sua índole;
FASE 1- AUMENTO DA TENSÃO
Nesse primeiro momento, o agressor mostra-se tenso e irritado por coisas insignificantes, chegando a ter acessos de raiva. Ele também humilha a vítima, faz ameaças e destrói objetos.
A mulher tenta acalmar o agressor, fica aflita e evita qualquer conduta que possa “provocá-lo”. As sensações são muitas: tristeza, angústia, ansiedade, medo e desilusão são apenas algumas.
Em geral, a vítima tende a negar que isso está acontecendo com ela, esconde os fatos das demais pessoas e, muitas vezes, acha que fez algo de errado para justificar o comportamento violento do agressor ou que “ele teve um dia ruim no trabalho”, por exemplo. Essa tensão pode durar dias ou anos, mas como ela aumenta cada vez mais, é muito provável que a situação levará à Fase 2.
FASE 2 – ATO DE VIOLÊNCIA
Esta fase corresponde à explosão do agressor, ou seja, a falta de controle chega ao limite e leva ao ato violento. Aqui, toda a tensão acumulada na Fase 1 se materializa em violência verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial.
Mesmo tendo consciência de que o agressor está fora de controle e tem um poder destrutivo grande em relação à sua vida, o sentimento da mulher é de paralisia e impossibilidade de reação. Aqui, ela sofre de uma tensão psicológica severa (insônia, perda de peso, fadiga constante, ansiedade) e sente medo, ódio, solidão, pena de si mesma, vergonha, confusão e dor.
Nesse momento, ela também pode tomar decisões − as mais comuns são: buscar ajuda, denunciar, esconder-se na casa de amigos e parentes, pedir a separação e até mesmo suicidar-se. Geralmente, há um distanciamento do agressor.
FASE 3 – ARREPENDIMENTO E COMPORTAMENTO CARINHOSO
Também conhecida como “lua de mel”, esta fase se caracteriza pelo arrependimento do agressor, que se torna amável para conseguir a reconciliação. A mulher se sente confusa e pressionada a manter o seu relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando o casal tem filhos. Em outras palavras: ela abre mão de seus direitos e recursos, enquanto ele diz que “vai mudar”.
Há um período relativamente calmo, em que a mulher se sente feliz por constatar os esforços e as mudanças de atitude, lembrando também os momentos bons que tiveram juntos. Como há a demonstração de remorso, ela se sente responsável por ele, o que estreita a relação de dependência entre vítima e agressor.
Um misto de medo, confusão, culpa e ilusão fazem parte dos sentimentos da mulher. Por fim, a tensão volta e, com ela, as agressões da Fase 1.
Esse ciclo dura em média 08 a 10 anos, normalmente o período que os filhos cresceram e as agressões começam a ser também contra eles e, nesses casos, a mulher tem forças para sair definitivamente desse ciclo, aliado ao fato de que a sociedade, em casos de agressão a menores, mostra-se disponível a ajudar a mulher.
ÍNDICES DE FEMINICÍDIO E AGRESSÃO CONTRA A MULHER
O Brasil é o 5º país que mais mata mulheres no mundo;
No último ano, cerca de 1,6 milhão de mulheres foram espancadas;
22 milhões passaram por algum tipo de assédio;
Entre os casos de violência, 42% ocorreram em ambiente doméstico;
52% das vítimas não denunciaram seus agressores.
MOTIVOS:
A violência doméstica e familiar contra a mulher não pode ser vista como um ato isolado, mas como um fenômeno histórico-social que emerge de uma complexa combinação de fatores, fazendo-se presente em todas as classes sociais, as próprias normas jurídicas, durante milênios, legitimaram o poder marital do homem sobre a mulher.
Superioridade masculina, justificada biologicamente na força física e na anatomia (cérebro), que por muito tempo legitimou o papel do homem enquanto protetor e dominador em relação à mulher;
Dominação controle e posse, e em última instância como esforço do homem em legitimar sua posição social.
Modelo de esposa fiel, obediente, recatada e dedicada ao lar e à maternidade, enquanto que para o homem sobrara o papel do “chefe de família”.
O temor e a perda do empoderamento da mulher são consequências graves de abusos psicológicos, que abrem prerrogativa para que a violência física se manifeste, ou seja, antes de poder ferir fisicamente sua companheira, precisa baixar a auto-estima de tal forma que ela tolere as agressões.
A violência é culturalmente legitimando-os como parte de uma dinâmica de relações nas quais a mulher estaria “naturalmente” sujeita a essas opressões sociais, nas quais muitas vezes nem ela própria se reconhece como vítima.
A violência doméstica estava envolvida no manto cultural do silêncio – o ditado popular revelava que em briga de marido e mulher, não se deveria meter a colher.
MUDANÇAS
Nos últimos anos (em especial em 2019), a Lei 11.340/06 sofreu uma série de alterações e mudanças, tais como:
Mulheres em situação de violência doméstica e familiar devem ser atendidas preferencialmente por policiais e peritos do sexo feminino.
Proibição de contato entre a vítima, seus familiares e testemunhas e agressores ou pessoas relacionadas.
Descumprimento de medidas protetivas de urgência qualifica crime que pode ser punido com detenção de três meses a dois anos.
Criminaliza o registro não autorizado com conteúdo de caráter sexual ou que apresente cena de nudez instituindo a pena de seis meses a um ano de detenção e multa para os infratores.
Instituição de medidas protetivas de urgência, podendo ser aplicada por Delegado de Polícia ou por policiais, com chancela a posteriori do Poder Judiciário.
Obrigatória a informação sobre condição de pessoa com deficiência sobre a vítima nos boletins.
Instituiu a apreensão por ordem judicial da qualquer arma de fogo em posse do agressor.
Instituiu como prioridade para mulheres vítimas de violência o ato de matrícula de seus filhos ou dependentes em uma instituição de educação básica mais próxima da sua residência.
Criada a obrigação de ressarcimento ao Estado pelos gastos do atendimento da vítima através do SUS pelo agressor. Em caso de perigo eminente, também possibilita a utilização de dispositivos de segurança para monitorar o agressor e a vítima (de maneiras distintas).
Caso o agressor não frequente o centro de educação e reabilitação, estará incorrendo em novo crime. Também deverá ser obrigatório o acompanhamento psicossocial.
MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
Medidas protetivas de urgência são aquelas adotadas em casos em que a vítima corre sério risco de ser agredida ao voltar para o domicílio após a denúncia. Entre os exemplos de medidas protetivas estão:
A obrigação de que o suspeito da agressão seja afastado da casa ou do local de convivência da vítima;
A proibição de que o suspeito se aproxime ou que mantenha contato com a vítima, seus familiares e testemunhas;
Obrigação do suspeito em prestar alimentos para garantir que a vítima dependente financeiramente não fique sem recursos;
Suspensão temporária de contratos de compra e venda ou aluguel de propriedades que sejam de posse comum.